Pesquisas de Farmácia usam palma forrageira e sisal para tratar lesões cutâneas e reduzir colesterol

2 de julho de 2019
Pesquisas de Farmácia usam palma forrageira e sisal para tratar lesões cutâneas e reduzir colesterol

                   Palma é processada em etapas até resultar em filmes poliméricos para tratar lesões na pele

O verde que brota no solo do Sertão, Cariri, Agreste e Cumimataú paraibano ganha forma, nova cor e outras utilidades no Laboratório de Desenvolvimento e Caracterização de Produtos Farmacêuticos (LDCPF) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Resistente ao sol e às intempéries climáticas, a palma forrageira e o agave não servem apenas como alimento alternativo para o gado em tempos de seca. Os dois vegetais, disponíveis abundantemente no semiárido nordestino, podem ser usados com fins medicinais.

Uma pesquisa desenvolvida por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF) e do Departamento de Farmácia da UEPB tem testado o uso da palma e do agave para tratar lesões de pele e, até mesmo, reduzir a taxa de colesterol no sangue. A pesquisa, coordenada pelo professor Bolívar Ponciano Damasceno, é financiada com recursos da Chamada Universal do CNPq e do PROPESQ UEPB, e já rendeu duas teses de Mestrado. Atualmente, dois trabalhos usando os mesmos produtos estão em pleno andamento.

A primeira pesquisa, intitulada “Filmes de Celulose Extraída da Palma Forrageira contendo derivado N-acilidrazônio para o tratamento de lesões cultâneas”, utiliza palmas cultivadas na unidade experimental do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e nos palmares de Monteiro. No Laboratório localizado no Complexo Integrado de Pesquisa Três Marias, no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), no Câmpus de Bodocongó, a palma vira uma substância que pode ser preciosa para a saúde. Da planta é extraída a celulose, que pode servir para vários benefícios na área farmacêutica, como excipientes. A equipe do professor Bolívar optou por usar a celulose para produzir o filme polimérico com a finalidade de usá-lo como meio cicatrizante de feridas ou queimaduras.

Em uma das fases do processamento da palma, o material gera o acetato de celulose, matéria-prima para a produção do filmes poliméricos para tratamento de lesões cutâneas

Para extrair a celulose, a palma passa por várias etapas, incluindo o processo de secagem e pureza da planta. O primeiro passo é triturar a droga vegetal e inserir nela vários produtos que retiram as substâncias que não sejam celulose. Após ser triturada, a substância verde se transforma no acetato de celulose, utilizado na preparação dos filmes poliméricos. A estes filmes são incorporadas substâncias ativas para exercer a sua eficácia, como é o caso da molécula conhecida por JR-19, desenvolvida pela equipe do professor do Departamento de Farmácia, Ricardo Olímpio de Moura, até chegar ao produto final.

O mestrando Amaro César Lima de Assis, que está à frente da pesquisa, revela que os primeiros resultados colhidos no laboratório surpreenderam a equipe. “Esses filmes desenvolvidos passam por todo um processo de caracterização para garantir que realmente o sistema a ser desenvolvido contém essencialmente a celulose extraída da planta. Esse processo é bastante inovador e nossa Universidade é pioneira no uso desta planta com essa finalidade”, observou Amaro César.

Amaro, que é graduado em Farmácia pela UEPB, destacou que o objetivo final da pesquisa é formar um sistema em que o fármaco incorporado tenha uma liberação prolongada para poder passar mais tempo em contato com a pele e diminuir o incômodo dos ferimentos. Por enquanto, o uso da planta para acelerar o processo de cicatrização de ferimentos foi testada apenas em animais, mas a pretensão da equipe é, futuramente, fazer testes clínicos em humanos. Essa parte, considerada a mais ousada da pesquisa, só será possível fazer a partir de parcerias com outras instituições e financiamentos.

“O principal foco do nosso laboratório é desenvolver o produto. Os testes pré-clínicos e clínicos são feitos em parceria com outros laboratórios”, observou Bolívar. O professor enfatizou que a pesquisa pode dar grande contribuição para a ciência, uma vez que vai facilitar o tratamento de pessoas que estão com feridas e queimaduras. Ele disse que um dos objetivos do trabalho é agregar valor a um produto nordestino resistente a seca e chuva.

Agave usado na redução do colesterol

Dentro do Laboratório de Desenvolvimento e Caracterização de Produtos Farmacêutico da UEPB, a pesquisa desenvolvida pela estudante Larissa Pereira tem metas ousadas que podem, no futuro, revolucionar a medicina. Utilizando o sisal, a pesquisa, orientada pelo professor Bolívar Ponciano, visa derrubar as taxas de colesterol no sangue e, consequentemente, diminuir os riscos de acidente vascular cerebral (AVC) e outros desfechos cardiovasculares.

                                         Celulose extraída do sisal compõe fármaco para reduzir taxa de colesterol

A pesquisa “Micropartículas de acetato de celulose sintetizado a partir de Agave oriundo do semiárido brasileiro para a obtenção de sistema de liberação controlada da sinvastatina” utiliza a celulose extraída do agave, também conhecida como sisal. Ela é inicialmente transformada em microemulsão para, posteriormente, ser transformada em micropartículas. O produto passa por um processo de secagem em um equipamento chamado Spray-dryer, restando apenas a parte do pó, em que o fármaco, a sinvastatina, é incorporado na matriz polimérica do acetato de celulose. Após passar por várias etapas, o produto, pronto para ser ingerido, é colocado em uma cápsula de gelatina dura.

                              Cápsulas do fármaco desenvolvido para tratamento de taxas elevadas de colesterol

Formada em Farmácia pela UEPB, Larissa Pereira afirmou que a ideia da pesquisa é diminuir as dosagens dos pacientes que tem taxas elevadas de colesterol e controlar melhor o uso de medicamentos no tratamento. “O objetivo é que o paciente tome uma única dosagem por dia”, frisou. A pesquisa, fruto da dissertação de mestrado da estudante, ainda está e fase embrionária, sendo que os testes pré-clínicos devem ser feitos em ratos, no Câmpus da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em Patos. O trabalho já foi submetido ao Comitê de Ética da UFCG.

Integrante do PPGCF da UEPB, o professor João Oshiro destaca o nível das duas pesquisas e a contribuição que futuramente o Laboratório de Farmácia da Instituição pode dar para a ciência. Ele ressalta a riqueza da palma forrageira, onde pode ser extraído um dos cinco excipientes mais utilizados na indústria farmacêutica, que é a celulose. “É um projeto fantástico, de nível internacional, e que vai impactar na economia local, uma vez que a palma é uma espécie nativa que usa pouca água e nós estamos tendo um bom resultado”, destaca.

Pesquisas concluídas

Pelo menos duas dissertações de mestrado foram concluídas no PPGCF usando a palma forrageira. O trabalho pioneiro, coordenado pelo professor Bolívar Damasceno, foi desenvolvido pelo estudante João Paulo Tavares Malheiro e teve como tema “Síntese, Caracterização e Aplicação do Acetato de Celulose a partir da Palma Forrageira Para Liberação Modificada de Fármacos”.

A outra pesquisa, “Micropartícula de Acetato de Celulose Sintetizado a partir da Palma Forrageira para a Obtenção de Sistema de Liberação Controlada do Captopril”, que também usa a palma para fins medicinais, foi desenvolvida pela estudante Alana Rafaela Albuquerque Barros.

Na semana passada, a equipe do professor Bolívar teve um artigo sobre a extração da celulose da palma aceito para publicação em uma revista de alto impacto científico. Com o título “Opuntia ficus-indica L. Miller (forage palm) as an Alternative Source of Cellulose for Production of Pharmaceutical Dosage Forms and Biomaterials: Extraction and Characterization” (Opuntia ficus-indica L. Miller (palma forrageira) como fonte alternativa de celulose para produção de formas farmacêuticas de dosagem e biomateriais: extração e caracterização), o artigo foi publicado na revista Polymers.

Texto: Severino Lopes
Fotos: Paizinha Lemos

Link da matéria original na Página da UEPB